Las salas son un espacio dinámico, con cuatro secciones – poesia,
resenha, ensaio e narrativa – pensadas alrededor de una cuestión común.
Meio de vida
O meio tem uma aparente limitação, mas indica inúmeras possibilidades. Quando estamos no meio, talvez não haja a empolgação do início ou nostalgia do fim. O meio é uma posição intermediária entre o antes e o depois. Possibilidade de avaliar o que foi e o que está por vir. O meio intervém, o meio é condição, lugar onde se vive, onde estamos e de onde falamos. Quantos significados mais o “meio” tem?
Entre 1978 e 1980, Roland Barthes ministrou seu último curso no Collège de France sobre “A preparação do romance”, curso que não pôde ser concluído devido à sua morte. Adotando o ponto de vista de quem poderia escrever um romance, Barthes, na introdução, ensaia “o meio da vida” e elenca alguns exemplos de como esse momento (ou estado) foi fértil para alguns escritores. Ao falar sobre o verso “No meio do caminho de nossa vida” – primeiro verso do canto I do Inferno, de Dante – Barthes diz que a idade é constitutiva do sujeito que escreve e que o “meio” não é a metade (ninguém teria como saber qual é o meio de sua vida), mas um acontecimento significativo, tomada de consciência da própria mortalidade, acerto de contas com o que resta a ser vivido. Como interromper a repetição dos dias sem que estejamos fatalmente condenados à transformação e a um novo início? Na obra de Barthes, a morte da mãe, sem dúvida, foi uma reviravolta com pouco tempo para recomeços.
Neste número da sala, apresentamos textos que partem de uma reflexão sobre o meio da vida. Temos a tradução do conto “A viagem”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, feita por Joabson Santos; o ensaio “O meio da vida e/ou a vida de Coelho Pacheco”, de Leonardo Gandolfi, que se complementa com a nota que publicamos na seção “Poesia”; e minha resenha da exposição “Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência”.
O conto de Sophia de Mello Breyner Andresen narra a história de um casal que está em viagem mas nunca chega ao destino. Eles passam por muitos lugares e, quando tentam voltar, nunca encontram o lugar por onde passaram, evocando a ideia de Heráclito de que “não podes descer duas vezes sobre o mesmo rio, porque novas águas correm sobre ti”. Em registro alegórico, “A viagem” mostra que, uma vez feitas certas escolhas, não se pode voltar atrás. No correr da história, experimentamos um avançar contínuo, em que não podem ser definidos início, meio e fim.
O ensaio de Gandolfi traz exemplos da literatura portuguesa e brasileira, abordando, principalmente, a história de Coelho Pacheco. Contar a vida desse escritor (um ex-heterônimo de Fernando Pessoa?) é uma boa ocasião para pensarmos os descaminhos do meio da vida. Ainda nessa direção, Gandolfi apresenta oito escritores argentinos, dentre eles Afonsina Storni, Silvina Ocampo e Alejandra Pizarnik, e – ao fazer um corte sumário em suas biografias – joga com a linha cronológica.
Por fim, a resenha aborda a exposição “Maria Auxiliadora: vida cotidiana, pintura e resistência”, com curadoria de Adriano Pedrosa e Fernando Oliva, que aconteceu entre os meses de março a junho de 2018, no MASP, São Paulo. Foi tardiamente, em sua curta vida, que ela produziu obras cujos eixos temáticos principais são, como nos mostra a curadoria da exposição, o autorretrato, os casais, os interiores, as manifestações populares, como o candomblé e o umbanda. Pensar a obra de Maria Auxiliadora em tempos onde há um forte conservadorismo político é se posicionar criticamente diante da realidade em que vivemos.
Esperamos que façam uma boa leitura.
Mariane Tavares
Mare nostrum
Pensar a imagem dos navios na contemporaneidade e as águas percorridas foi o mote inspirador do breve texto que norteia esta proposta. A expressão mare nostrum é de cara provocação e aviso: afinal, de quem é o mar? É possível pensar na noção de inocência acerca da passagem pelo oceano? E quem são os sujeitos que cruzam esse espaço, compreendido em sua dimensão política, hoje e sempre? Temas que atravessam esta escrita que passeia pela obra de Clarice Lispector, Daniela Versiani e Marcel Schwob.
Na seção prosa, “Debaixo da janela”, de Daniela Versiani, traz uma espécie de carta-conto que tematiza a experiência da estrangeiridade e do deslocamento. Na seção poesia, transitando entre gêneros - como nos interessa aqui esse caráter fluido – fragmentos selecionados de O Porto, de Leda Cartum, evocam uma viagem pelo mediterrâneo perpassada por intensa sensorialidade – água, corpo, porto se mesclam e se dissolvem na matéria da memória. Ambos na tradução para o espanhol por Paloma Vidal, insistindo na noção de trânsito vislumbrado no próprio ato de traduzir.
Na seção resenha,"O rio nem sempre beija o mar", Graça Ramos se propõe a entender as repercussões no campo do simbólico provocadas pela catástrofe que desestruturou o ecossistema de um dos mais importantes rios brasileiros, analisando os volumes A vida de um rio morto: monumento ao Rio Doce, de Carlos Nejar e Um dia, um rio, de Leo Cunha e André Neves.
Dialogando com essas referências, as imagens trazidas por Zuleika de Souza realizadas no Ceará, terra natal da fotógrafa. Das águas límpidas retidas na memória parte este ensaio que capta as transformações da paisagem atual.
As seções que compõem este dossiê nos remetem ao imaginário líquido do oceano (e porque não? dos rios, a correr todos para o mar) como espaço político, por onde transitam todo tipo de sujeitos. Lembram a antiga origem da palavra latina puer (como afirmam Phillipe Ariés e Georges Duby) que além de designar o infante, remete igualmente à situação de pessoas em estado de miséria: todos náufragos que somos, em especial crianças, errantes, degredados, párias, migrantes e refugiados. Se tais embarcações se encontram impedidas de lançar âncora - navios que não atracam em lugar algum e permanecem em espécie de limbo, – aqui a página e a tela as acolhem. Em texto e imagem, propomos uma ancoragem dessas narrativas para que ecoem e, talvez, ainda que de forma provisória, atraquem em algum porto.
Stefania Chiarelli
La vida en sus restos
Esta edición organizada por María José Punte hace una travesía por el mapa latinoamericano haciendo visibles los restos de lo que se resiste a la asimilación, dejando constancia en el arte de los cuerpos que se acumulan junto con otros desechos de la cultura como mercancía por la producción del capital. La escritora chilena Cynthia Rimsky presenta una crónica: Un conocimiento que se deshace en el aire, como rememoración de la infancia donde aparecen los residuos de una enciclopedia paradójicamente más local que universal. Para la sección de ensayos: Literatura y arte: cuerpos figurados, cuerpos excritos, Marina Ríos estudia la vinculación entre arte y literatura a partir de obras de Mario Bellatín y Gabriela Cabezón Cámara, donde la fragmentación e hibridización son un síntoma de cuerpos marginalizados, destrozados, “excriptos”, cuyos restos se diseminan en la escritura. La reseña de Simón Henao-Jaramillo del cortometraje colombiano Agarrando pueblo de 1977 (Mayolo-Ospina) ofrece una mirada sobre el cine como dispositivo de reflexión política. Finalmente tenemos una selección de Ruinas de Amereida, con una presentación de su autor, el poeta chileno Tomás Browne. En 1965 el abuelo de Browne participa de un viaje por el sur de Chile con un grupo de poetas, arquitectos artistas y filósofos, del que resulta el poema “Amereida”; lo que nos llega hoy es el testimonio de una segunda travesía realizada por el nieto en 2013. La artista visual chilena Andrea Goic acompaña con su obra esta presentación.